Empresas familiares possuem uma característica singular: nelas, patrimônio, valores e identidade se entrelaçam às histórias pessoais de quem fundou, dirige e sucede
Esse entrelaçamento tem força, é o que sustenta a identidade da empresa familiar.
Contudo, há um risco latente que, sem controle, pode corroer até o que mais define essas organizações: o ego.
Com ampla experiência no ambiente corporativo, atuando como Advisor à frente da MORCONE, tenho auxiliado e orientado empresas, especialmente empresas familiares brasileiras a se estruturarem para chegar aos 100 anos.
Neste artigo falo sobre como o ego nas empresas familiares interfere nas decisões estratégicas, sucessórias e culturais, ameaçando a longevidade empresarial.
Além disso, exploro como a governança, principalmente por meio do conselho consultivo bem estruturado, pode transformar conflitos de poder em alinhamento de propósito e perenidade.
O papel do ego nas empresas familiares: o que está em jogo
Ego como fonte de conflito estratégico
Em empresas familiares, o ego pode se manifestar de diferentes formas, como:
- Autoridade excessiva;
- Centralização de decisões
- Resistência à crítica;
- Perpetuar visões pessoais apesar de mudanças de mercado.
Um exemplo clássico de conflito em empresas familiares, conforme apontado em artigo no portal Legado e Família, foi do Henry Ford: fundador com personalidade autoritária, que resistiu a introduzir novos modelos de carro na empresa, rejeitando ideias inovadoras.
Ford escolheu seu filho, Edsel como sucessor, mas limitou sua participação, o que acabou gerando rupturas pessoais e estratégicas.
Esse tipo de comportamento é ilustrativo de como o ego pode bloquear a inovação, a adaptação, e gerar rupturas invisíveis que se acumulam.
Quando decisões estratégicas são tomadas mais para satisfazer vaidades, status ou controle do que pelo benefício da empresa, há risco grande de estagnação.
O ego, especialmente no fundador ou nos sucessores da primeira geração, pode impedir que a empresa se adapte a novos contextos: tecnológicos, concorrenciais e culturais.
Ego e sucessão: o momento mais perigoso
O planejamento sucessório é, provavelmente, o ponto mais crítico. Segundo pesquisa do Sebrae e IBGE, no Brasil cerca de 90% das empresas são familiares; entretanto, estima-se que apenas 36% sobrevivem até a segunda geração, 19% à terceira e apenas 7% à quarta.
Muitas vezes, o ego interfere na escolha do sucessor, em casos, como:
- Insistência de um fundador em impor um membro da família mesmo quando há dúvidas sobre competência;
- Resistência em captar talentos externos ou em profissionalizar a liderança;
- Relutância em aceitar que alguém mais jovem ou de outro ramo poderia contribuir com visões mais atualizadas.
O resultado pode ser um sucessor despreparado, dicotomias na liderança (quem manda como fundador vs quem assume efetivamente) ou cisões familiares.
Cultura, identidade e ego: quando a essência se torna rigidez
Empresas familiares muitas vezes têm valores culturais muito enraizados, o que é positivo. Mas quando o ego defende esses valores de modo inflexível, pode impedir a adaptação.
A identidade da empresa deve servir como norte, não como trava.
Uma cultura resistente à mudança, sob justificativa de “sempre fizemos assim”, costuma ser expressão forte do ego coletivo ou individual, mas conduz ao atraso frente aos desafios do mercado, à inovação ou às transformações necessárias para manter a competitividade.
Impactos concretos: como o ego compromete a longevidade empresarial?
- Decisões estratégicas equivocadas: investimento em projetos que conferem prestígio (ou status) à família, mas que não têm retorno compatível ou escondem riscos elevados;
- Fragilidade nos conflitos familiares na gestão: quanto mais o ego impera, menos espaço há para o diálogo, para a crítica construtiva. Isso gera ressentimentos, rupturas ou até mesmo saída de profissionais importantes;
- Comunicação prejudicada: familiares que deveriam estar preparados para ouvir outras perspectivas podem censurar ou ignorar sugestões; feedbacks negativos ou alertas de riscos não são aceitos;
- Retardo institucional: demorar para implantar práticas de profissionalização, de governança ou de formalização de políticas, porque se considera que “não precisamos disso”, “confio em quem está no comando”, etc;
- Perda de capital humano: talentos internos ou externos fogem quando percebem que mérito e competência são secundários ao parentesco, ao status, ou que o fundador ou líder da família não admite delegar ou partilhar poder;
- Risco de colapso na sucessão: passagem de bastão mal preparada pode gerar disputas, descontinuidades, venda ou dissolução de empresas que poderiam seguir forte.
Governança como antídoto: transformando ego em propósito
Se o ego pode ser perigoso, a governança pode ser o instrumento que equilibra poder, preserva identidade, mas exige responsabilidade. Em especial, o conselho consultivo surge como peça-chave.
Como o conselho consultivo pode contribuir?
O conselho consultivo não é um órgão deliberativo como um conselho de administração, mas tem papel de aconselhamento de qualidade: composto por pessoas de fora ou dentro da empresa familiar, com experiência, capacidade de oferecer visões externas, contrapontos técnicos, isenção relativa.
Este órgão, pode:
- Agir como moderador de debates difíceis, incluindo sucessão, cultura, valores vs adaptação;
- Cobrar que decisões estratégicas sejam bem fundamentadas, com cenários, riscos, projeções;
- Garantir que os interesses da empresa como instituição (e não apenas de indivíduos) prevaleçam;
- Oferecer visibilidade a perspectivas externas (mercado, mudança, inovação);
- Colaborar no estabelecimento de protocolos familiares: critérios de sucessão, papéis, responsabilidades, limites entre família e empresa;
- Monitorar cultura empresarial para que ela permaneça viva, mas não se torne um obstáculo.
Governança familiar, conselho de família e formalização
Além do conselho consultivo para o negócio, os componentes da governança familiar (como conselho de família, protocolos de família, acordos societários) são fundamentais. Eles ajudam a:
- Manejar conflitos familiares na gestão com clareza de papéis;
- Definir formalmente o que cada membro da família deve, pode ou não fazer;
- Estabelecer canais de comunicação e negociações em momentos de tensão;
- Preparar sucessores de forma estruturada (mentoria, formação, experiência fora e dentro);
- Compor uma cultura de prestação de contas e transparência.
Como implementar governança eficaz para neutralizar o ego?
1. Diagnóstico interno honesto
Avaliar onde o ego está impregnado: em quais decisões ele surge mais, quais membros da família tendem a resistir a conselhos externos, críticas, inovação.
2. Estruturação de um conselho consultivo
- Seleção cuidadosa de membros: internos com credibilidade + externos com experiência complementar;
- Definição clara do mandato, prerrogativas, periodicidade de reuniões, critérios de atuação;
- Inclusão de questões de cultura, valores e sucessão, além de resultados financeiros.
3. Protocolos familiares e acordos societários
- Estabelecer regras explícitas de sucessão (quem pode ser sucessor, critérios de capacidade, formação);
- Definir papéis e responsabilidades dos familiares, inclusive os que não atuam no negócio;
- Políticas de remuneração justas e transparentes;
- Mecanismos de resolução de conflitos: mediação interna ou externa.
4. Incentivar uma cultura gerencial de humildade e aprendizado
- Feedbacks estruturados (360°, mentoria, etc);
- Formação contínua de sucessores e líderes com visão de adaptabilidade;
- Celebrar quando alguém admite erro ou traz uma crítica construtiva.
5. Transparência e prestação de contas
- Relatórios regulares com indicadores financeiros e não-financeiros;
- Auditorias ou revisões externas quando necessário;
- Abertura para sugestões e reflexões externas ao ciclo familiar.
Ego, governança e perenidade
Não há como negar: o ego é parte da natureza humana. No entanto, nas empresas familiares, ele deve ser reconhecido, compreendido e bem administrado, porque é um dos principais sabotadores da longevidade empresarial.
Decisões estratégicas alicerçadas apenas no prestígio ou autoridade individual tendem a minar o potencial de adaptação, de sucessão saudável, de cultura forte, mas flexível.
A governança, e em particular o conselho consultivo, não são “soluções mágicas”, mas meios poderosos de transformar potenciais conflitos de poder em alinhamento de propósito.
Quando implantado com seriedade, com respeito aos valores familiares, com clareza de papéis e comprometimento com o futuro, esse modelo ajuda a empresa familiar não apenas a sobreviver, mas a permanecer relevante, geração após geração.
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