Nos últimos anos, temos visto crises contábeis e escândalos de fraude que abalaram a confiança do mercado, não como eventos isolados, mas como sinais de alerta sobre fragilidades estruturais.
Com ampla experiência no ambiente corporativo, atuando como Advisor à frente da MORCONE, tenho auxiliado e orientado empresas, especialmente empresas familiares brasileiras a se estruturarem para chegar aos 100 anos.
Neste artigo, trago reflexões sobre esses episódios, e já adianto que acredito que cabe a nós, líderes e conselheiros, utilizar tais crises como diagnóstico: elas indicam o quão madura, ou imatura, é a governança corporativa dentro de nossas empresas.
Por que os escândalos recentes não são “acidentes” e sim sintomas?
Quando um colapso corporativo vem à tona, é comum focar na figura da auditoria externa ou interna.
De fato, a auditoria tem papel essencial. No entanto, concentrar a culpa exclusivamente nesse elo é ignorar a complexidade do ecossistema de governança.
Como destacado por um artigo recente do Ibracon, a auditoria independente é fundamental, mas integra um sistema mais amplo de controles internos, conselho consultivo ou de administração, compliance e gestão de riscos.
Ou seja: falhas na auditoria muitas vezes apenas escancaram problemas de governança anteriores, deficiências que já existiam no modelo de administração, estrutura de controles ou na cultura de gestão.
Adicionalmente, dados de mercado reforçam esse diagnóstico.
Segundo a 18ª edição do estudo A Governança Corporativa e o Mercado de Capitais, publicada pela KPMG, realizada com 282 empresas de capital aberto no Brasil, 37% reportaram deficiências nos controles internos, um claro indicativo de que, mesmo em companhias reguladas, há fragilidades expressivas.
Se controles internos são frágeis, até mesmo a auditoria mais diligente terá dificuldade em garantir a confiabilidade das demonstrações financeiras.
Auditoria, conselho consultivo e governança brasileira: como o tripé deveria funcionar
Para que a auditoria cumpra seu papel de escudo contra fraudes e irregularidades, ela precisa operar dentro de um modelo robusto de governança. Isso implica, entre outros elementos, em:
- Controles internos eficazes, capazes de registrar, monitorar e rastrear operações;
- Gestão de riscos corporativos estruturada, que identifique vulnerabilidades operacionais, financeiras e reputacionais;
- Um conselho consultivo ativo e independente, que revise criticamente as práticas da empresa, questionando suposições e decisões da direção;
- Transparência e cultura de responsabilidade, com engajamento dos principais stakeholders na governança e nas decisões estratégicas.
Na prática, muitos conselhos consultivos continuam a atuar de forma pontual, com pouca frequência ou envolvimento superficial. Isso enfraquece o propósito da governança, deixando a empresa vulnerável às pressões do dia a dia, às decisões de curto prazo e a potenciais práticas de risco.
Além disso, a adoção de políticas de gestão de riscos, auditoria interna e comitês de auditoria, que deveriam ser rotina em empresas maduras, ainda está longe de ser universal.
Embora existam avanços, eles não acompanham o ritmo de complexidade dos negócios da atualidade
Panorama recente: avanços, mas nem todos os fundamentos consolidados
É verdade que há sinais de evolução. Por exemplo:
Em 2025, segundo estudo da PwC Brasil com companhias de capital aberto, cerca de 78,8% delas declararam adotar política formal de gerenciamento de riscos, um salto considerável em relação a 2020.
A proporção de empresas que relatam diretamente à auditoria independente por meio de comitês de auditoria cresceu de 55,1% para 77,7% no mesmo período.
Já a vinculação da auditoria interna ao conselho aumentou de 46,0% para 64,7%.
Esses dados indicam que há de fato um movimento de fortalecimento: mais empresas reconhecem a importância de gerenciar riscos, estruturar governança e dar voz aos conselhos.
Mas há um dado inquietante: entre as companhias analisadas, apenas quatro declararam aderência integral aos padrões recomendados pelo principal código de governança corporativa no Brasil.
Esse dado evidencia que, apesar de avanços, o modelo de governança corporativa ainda não alcançou maturidade ampla e consistente. Ou seja: muitas organizações estão adotando práticas isoladas, sem internalizar o espírito da boa governança.
Crises recentes: o espelho da governança desigual
As crises que vieram à tona não ocorreram por acaso. Elas refletem precisamente a falha de governança corporativa para acompanhar a evolução de mercados, estruturas de capital e expectativas dos stakeholders.
Quando a auditoria falha, seja por limitação de escopo, controles internos frágeis, cultura corporativa permissiva ou omissão do conselho consultivo, o resultado pode ser devastador: perda de confiança, destruição de valor, volatilidade e até falência.
Assim, os recentes escândalos corporativos no Brasil e no exterior não são “exceções negativas”, mas sintomas de um padrão: um ritmo de transformação de mercado maior do que o da evolução da governança.
Governança brasileira precisa evoluir o quanto antes
Com base em minha experiência com empresas de diferentes portes e perfis, com destaque para as empresas familiares, percebo com preocupação que muitas organizações ainda tratam a auditoria como mero “check-list contábil”, algo a ser cumprido para satisfazer requisitos regulatórios ou de compliance.
Contudo, para que a auditoria gere valor real, ela precisa ser tratada como um pilar estratégico de governança, integrado ao conselho consultivo, à gestão de riscos e à estrutura de controles internos.
Só assim será possível identificar vulnerabilidades antes que se tornem crises.
No geral, recomendo que empresas com visão de longo prazo considerem:
- Estruturar um conselho consultivo com voz ativa, independente e com composição diversificada;
- Garantir que a auditoria, interna e/ou externa, reporte diretamente a esse conselho ou comitê, assegurando autonomia e independência;
- Implementar processo contínuo de avaliação de controles internos, compliance e riscos corporativos, em vez de revisões episódicas;
- Incentivar cultura de questionamento e transparência, de modo que decisões não fiquem restritas à diretoria executiva, mas sejam debatidas com múltiplos stakeholders;
- Enxergar a auditoria não como custo, mas como investimento em credibilidade, sustentabilidade e longevidade da empresa.
Auditoria como termômetro e não como ‘escudo absoluto’
A auditoria é, sem dúvida, peça fundamental na governança corporativa, mas jamais deve funcionar como escudo absoluto diante de um sistema de governança despreparado.
As crises recentes mostram que auditorias frágeis não são causa isolada, são consequência de um modelo de governança que não evoluiu no mesmo compasso que o mercado.
Como conselheiro acredito que cabe a nós orientar as empresas a enxergar a auditoria como parte de um ecossistema maior.
A adoção de práticas robustas de governança, com conselho consultivo atuante, gestão de riscos e controles internos fortes, revela o grau de maturidade da empresa.
Em última instância, isso significa construir organizações mais resilientes, éticas e preparadas para os desafios de um mercado cada vez mais dinâmico e exigente.
Sei que esse caminho demanda disciplina, tempo e comprometimento. Mas é, indiscutivelmente, o único capaz de garantir sustentabilidade e longevidade empresarial.
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