Apesar de serem protagonistas da economia mundial e representarem mais de dois terços das empresas privadas no mundo, as empresas familiares ainda enfrentam o mesmo desafio: alcançar a longevidade empresarial.
No Brasil, essa realidade é ainda mais alarmante quando 30% das empresas familiares chegam à segunda geração e menos de 15% sobrevivem até a terceira.
Na maioria dos casos, a maior dificuldade está em conseguir equilibrar a preservação do legado empresarial com a necessidade de inovação contínua.
Com ampla experiência no ambiente corporativo, atuando como Advisor à frente da MORCONE, tenho auxiliado e orientado empresas, especialmente empresas familiares brasileiras a se estruturarem para chegar aos 100 anos.
Neste artigo abordo sobre o dilema entre tradição e transformação como grande ponto de atenção para empresas que desejam alcançar a longevidade empresarial.
Em suma, inovação em empresas familiares não se trata de ruptura, mas sim, de evolução planejada, e é nesse equilíbrio que a governança e o conselho consultivo tornam-se instrumento indispensáveis.
O paradoxo entre tradição e inovação
De um lado, a força do legado: valores, reputação, relacionamentos e credibilidade construídos ao longo de décadas.
Do outro, a pressão de um ambiente de negócios em rápida mudança, marcado por avanços tecnológicos, consumidores mais exigentes e cadeias produtivas cada vez mais dinâmicas.
O relatório 28th CEO Survey da PwC (2025) destaca que muitas empresas familiares brasileiras reconhecem a necessidade de evoluir seu modelo de gestão para acompanhar as mudanças do mercado, mas enfrentam dificuldades relacionadas a fatores internos, como resistência cultural, falta de sucessão estruturada e baixa profissionalização.
Esse paradoxo gera um risco estratégico: quando a empresa se apoia apenas na tradição, perde competitividade; quando aposta em mudanças bruscas sem critério, compromete a essência que sustenta sua identidade.
Nesse sentido, o desafio, portanto, é avançar com método.
O valor intangível do legado empresarial
O legado empresarial é um ativo estratégico central para empresas familiares, mas precisa ser compreendido em profundidade.
A pesquisa, Legado das Empresas Familiares: preservando o passado e construindo o futuro (2024) conduzida pela KPMG, revela dados detalhados sobre a incorporação do legado em empresas familiares brasileiras.
A análise, realizada com 51 líderes, aponta que:
- A incorporação do legado atingiu 79%, dividida em quatro componentes: biológico (23%), social (23%), material (16%) e de identidade (15%), sendo que os dois primeiros são intangíveis;
- 76% das organizações aplicam empreendedorismo transgeracional, envolvendo relacionamentos familiares, empreendedorismo familiar e futuras gerações;
- O legado é fonte de identidade e inspiração, mas também pode se tornar obstáculo quando impede a inovação.
- A maturidade em sustentabilidade alcança 79%, distribuída entre meio ambiente (26%), funcionários (21%), fornecedores (19%) e comunidade (12%);
- Quanto ao desempenho geral do negócio, 77% dos líderes consideram sete características estratégicas: crescimento, participação de mercado, funcionários, rentabilidade, retorno sobre patrimônio líquido, retorno sobre ativos e margem de lucro.
Como aponta Carolina de Oliveira, sócia-líder de Private Enterprise da KPMG no Brasil e América do Sul:
“O legado de um negócio familiar é tão único quanto a própria família. Ele pode honrar tradições e proteger a reputação, mas também ser base para o sucesso futuro, impulsionando resiliência, espírito empreendedor e decisões estratégicas sólidas”.
Esses dados reforçam que o legado empresarial deve ser cuidadosamente gerido para equilibrar identidade e inovação, servindo de base para estratégias sustentáveis e para o empreendedorismo transgeracional.
Inovação em empresas familiares: práticas que preservam e transformam
A inovação, quando aplicada a empresas familiares, precisa respeitar a essência construída pela família. Isso não significa manter tudo igual, mas adaptar e ampliar as formas de entrega de valor. Algumas práticas relevantes:
- Modelos de negócio adaptativos
Empresas familiares que prosperam são aquelas que conseguem diversificar receitas, investir em novos canais digitais e, ao mesmo tempo, fortalecer o que já fazem bem.
O varejo é um exemplo clássico: marcas familiares que digitalizaram processos e aderiram ao e-commerce ampliaram sua base de clientes sem perder o vínculo pessoal que sempre as diferenciou.
- Gestão orientada a dados
Muitas empresas familiares ainda dependem da intuição de líderes experientes para tomar decisões.
Embora a experiência seja valiosa, a análise de dados e a controladoria estruturada permitem uma visão mais clara dos riscos e oportunidades.
Decisões baseadas apenas na intuição podem ser arriscadas. Empresas familiares que estruturam sua controladoria e analisam dados de forma consistente conseguem identificar riscos e oportunidades de maneira mais assertiva.
- Profissionalização e alianças estratégicas
Trazer executivos externos, formar parcerias e incluir especialistas independentes em áreas-chave são passos que aumentam a maturidade de gestão.
Essa abertura não elimina a identidade familiar; pelo contrário, protege-a de decisões baseadas apenas em emoção ou tradição.
- Experimentação controlada
Programas-piloto, testes de novos produtos e adoção gradual de tecnologias evitam rupturas e permitem aprendizado com riscos reduzidos. Essa prática ajuda a manter o equilíbrio entre prudência e inovação.
O conselho consultivo como guardião do equilíbrio
O conselho consultivo é, para muitas empresas familiares, o divisor de águas entre estagnação e longevidade.
Este órgão oferece uma visão externa e imparcial, capaz de questionar a rotina e propor caminhos inovadores sem romper com a cultura organizacional.
Funções essenciais do conselho consultivo
- Radar estratégico: identifica sinais de mudanças de mercado antes que se tornem urgentes;
- Mediação entre gerações: ajuda a alinhar expectativas entre fundadores, sucessores e executivos;
- Governança estruturada: implanta práticas de transparência, KPIs e mecanismos de prestação de contas;
- Avaliação de investimentos: orienta decisões de alocação de capital, separando oportunidades consistentes de riscos especulativos.
Essa estrutura permite que a empresa familiar avance com segurança. Como já tratei anteriormente, a longevidade só pode ser alcançada por meio de uma cultura empresarial sólida, onde valores são respeitados, mas também revisitados de forma estratégica.
Transição geracional: o teste definitivo
Poucos momentos exigem tanto equilíbrio quanto a sucessão. Enquanto os fundadores priorizam a preservação, herdeiros tendem a buscar transformação.
Sem mediação, o choque é inevitável. É por isso que apenas três em cada dez empresas familiares sobrevivem à segunda geração.
O conselho consultivo atua como mediador nesse processo, garantindo que a sucessão seja tratada como projeto estratégico e não como evento isolado. Isso envolve:
- Definição de critérios objetivos para escolha de sucessores;
- Programas de capacitação e mentorias intergeracionais;
- Cronogramas claros de transição, reduzindo incertezas.
Roteiro prático para empresas familiares
Para líderes conservadores que desejam avançar com prudência, algumas etapas são decisivas:
- Mapear ativos intangíveis: compreender quais são os principais diferenciais que sustentam a reputação da empresa;
- Fortalecer a controladoria: transformar relatórios em instrumentos de planejamento e não apenas de conformidade;
- Instituir um conselho consultivo: incluir especialistas independentes para ampliar a visão estratégica;
- Planejar a sucessão: formalizar critérios de liderança e preparar herdeiros;
- Criar cultura de inovação responsável: estimular iniciativas experimentais com indicadores claros.
Integrando legado e inovação: visão estratégica final
A inovação em empresas familiares é, antes de tudo, uma forma de honrar o passado ao preparar o futuro.
O legado empresarial não deve ser visto como peso, mas como base para crescimento.
E o conselho consultivo surge como ferramenta indispensável para alinhar tradição e transformação, oferecendo visão estratégica e fortalecendo a governança.
Na prática, reinventar não significa abandonar o que foi construído, mas encontrar novas formas de fazer o legado prosperar.
Empresas familiares que entendem isso não apenas sobrevivem, mas conquistam relevância por gerações.
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