Nos primeiros meses deste ano, tivemos notícias do escândalo da Americanas, considerado pela maioria dos especialistas como fraude corporativa. A dívida da empresa do setor varejista foi atualizada para 50,1 bilhões.
As dívidas, ao invés de serem atribuídas a instituições financeiras, entravam como despesas com fornecedores, prática conhecida como risco sacado, o que comprometia o resultado da empresa embora aparentasse estar saudável no mercado.
E logo depois do caso Americanas vir à tona, mais uma empresa do setor varejista, a Marisa Lojas (AMAR3), expôs escassez nas linhas de crédito, principalmente para o varejo (relacionada ao caso Americanas) e pediu mais prazo para as dívidas.
A dívida da Marisa somava R$ 600 milhões, segundo apuração do Estadão/Broadcast e, diferente da Americanas, a empresa não entrou com pedido de recuperação judicial.
Especialistas na área de reestruturação de dívidas e advogados acreditam que o caso Americanas afetou a confiança e a capacidade de crédito das varejistas, com impacto na cadeia de fornecedores.
Como consequência da crise vivenciada, a Marisa anunciou que de 334 lojas espalhadas pelo Brasil, fechará 100 unidades até o final de 2023, além de uma demissão em massa de funcionários.
Com ampla experiência no setor corporativo e à frente da MORCONE Consultoria Empresarial auxiliando empresas de diferentes portes e segmentos, inclusive, o setor varejista, hoje quero trazer algumas reflexões sobre o tema, principalmente relacionadas à governança no varejo.
Crise no setor varejista – o que remonta a esse cenário?
Esses escândalos no setor varejista e muitos deles vindo à tona após o caso Americanas, demonstram uma crise no setor. Por onde começar na compreensão do que está ocorrendo com o varejo no Brasil?
Em 2022, segundo dados publicados pelo Ministério da Economia, o Brasil registrou 3.838.063 novas empresas abertas e em contrapartida o fechamento de 1.695.763 empreendimentos, o que demonstra alta rotatividade no setor de varejo no Brasil.
Casos como o da Americanas, Marisa e tantos outros, mostram um determinado “padrão” de comportamento financeiro nesse segmento.
O professor de Economia no IBMEC, Renan Silva, acredita que o setor de varejo no Brasil é extremamente sensível, a começar pela renda, sendo assim, é importante compreender o ambiente brasileiro, resultado de sucessivos planos econômicos mal sucedidos em um contexto de inflação mediana elevada, taxa de juros elevada, impostos elevados, entre outros fatores.
“Se fizermos um cômputo das empresas de varejo no Brasil que já fecharam, remontando à história, vemos que esses casos não representam algo novo”, acredita o especialista.
Para Silva, existe a necessidade da criação de um ambiente mais favorável aos negócios e que quando se tem um ambiente econômico hostil, o que ocorre historicamente é a busca por soluções mirabolantes por parte dos maiores players do mercado: “De forma alguma justifico casos como o da Americanas, mas isso se vê em muitas companhias brasileiras que na busca pela sobrevivência no mercado, acabam se ‘espremendo’”, pontua.
Governança no varejo é o único caminho de longevidade para o setor
Ainda que em um cenário econômico “hostil” ao setor, como especialista acredito que o melhor caminho sempre será o da governança corporativa estruturada e da aplicação de seus atributos, sendo a transparência um dos fundamentais.
Quando o pilar da transparência é ferido, são expostos outros pilares cruciais como: integridade, ética, equidade, responsabilidade administrativa, senso de justiça e a exatidão na prestação de contas (accountability).
A governança no varejo é fundamental e um grande desafio para o setor, porém é a única maneira de levar esse modelo de negócios à expansão e à longevidade no mercado.
A contratação de agentes externos se torna um importante caminho para as empresas varejistas, já que contribuem com pontos de vistas diferenciados, sem os “vícios” de gestão devido ao cotidiano do negócio.
Em casos que envolvem escândalos que vêm à tona também se percebe uma cultura organizacional em que a governança e a pauta ESG não estão devidamente incorporadas, gerando o que tem sido cada vez mais comum: empresas que teoricamente têm governança corporativa e estão em índices ESG, porém nada disso é vivenciado em sua prática.
Outra questão fundamental é o gerenciamento de riscos com base em um planejamento sólido e que seja de fato eficiente, propondo diálogos e relacionamento com todas as partes interessadas: colaboradores, parceiros, acionistas, investidores e clientes e que faça parte das estratégias adotadas nas diferentes esferas do negócio.
A governança corporativa no varejo além de ser imprescindível para a expansão do setor, por meio de regulamentações e controle interno, é uma importante aliada para empresas que necessitam de reestruturação frente aos crescentes desafios do mercado.
Grandes empresas como é o caso da Americanas, Marisa e de tantas outras, falham quando ignoram o G da pauta ESG, ou seja, a base de todos os pilares, que é a governança corporativa.
A governança no varejo não isenta o setor de problemas, mas é um atributo fundamental para evitá-los ou minimizá-los.
Como com um conselho robusto, como no caso da Americanas, não houve reporte das inconsistências nas finanças da empresa? Talvez a resposta esteja na cultura do negócio.
A governança, como já mencionado, deve ser parte das organizações, representando os princípios éticos que devem reger o negócio e embora cada empresa tenha suas características particulares quanto a segmento ou aspectos culturais, é esse instrumento o responsável por garantir o cumprimento das regras no mercado.
Vivenciar a governança é o único caminho
Pesquisa conduzida pela Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), intitulada “A Comunicação da Governança nas Organizações no Brasil”, mostrou que um dos maiores riscos de governança corporativa para as empresas entrevistadas estava na falta de comunicação (59%) e de clareza (50%) na interação com seus públicos de interesse (stakeholders).
Além disso, foi mostrado que também são encarados como riscos a demora quanto à divulgação de informações relevantes (37%); a falta de processos de monitoramento para evitar a divulgação de informações não públicas/vazamentos (35%) e a falta de divulgação de prevenção, detecção e resposta de riscos de compliance (35%).
Não existe outro caminho para o setor varejista a não ser repensar como a governança corporativa está sendo vivenciada na prática. Rever a cultura organizacional e ter apoio externo altamente especializado é o mais indicado.
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