Empresas familiares são, historicamente, a espinha dorsal da economia brasileira. Mas, apesar dessa relevância, poucas chegam à terceira geração, e menos ainda se perpetuam com a mesma força, valores e unidade que as originaram.
O que diferencia as que atravessam décadas, inovando sem perder sua essência, daquelas que se fragmentam com o tempo?
Com ampla experiência no ambiente corporativo, atuando como Advisor à frente da MORCONE, tenho auxiliado e orientado empresas, especialmente empresas familiares brasileiras a se estruturarem para chegar aos 100 anos.
Neste artigo falo sobre a tríade família, propósito e governança, pilares que, quando alinhados, criam uma cultura organizacional sólida e uma visão de longo prazo capaz de sustentar o negócio além do mercado.
O DNA das empresas familiares: herança e responsabilidade
Toda empresa familiar nasce de um impulso: o desejo de construir algo duradouro. No entanto, o que começa como uma relação de confiança e afinidade entre parentes pode, com o crescimento do negócio, se transformar em um ambiente de tensões e decisões difíceis.
É justamente nesse ponto que a governança corporativa deixa de ser um tema restrito às grandes corporações e passa a ser um instrumento essencial de continuidade.
Casos como o do Grupo Jacto, fundado pela família Nishimura, mostram que a profissionalização desde a fundação é um diferencial competitivo.
Os cinco irmãos, ainda na primeira geração, estruturaram práticas de governança, definiram papéis e instituíram um conselho ainda nos primeiros anos de operação, garantindo, assim, harmonia e clareza para as gerações seguintes.
Enfim, essa antecipação revela uma lição fundamental: quanto mais cedo uma empresa familiar formaliza sua governança, maiores são as chances de perenidade.
Propósito empresarial: o fio que costura gerações
Em muitas companhias familiares, o propósito surge naturalmente, nas crenças e valores dos fundadores.
Contudo, à medida que a empresa cresce, a clareza sobre esse propósito tende a se diluir. O desafio, então, é transformá-lo em um norte estratégico, capaz de orientar decisões e inspirar as novas gerações.
Um exemplo notável é o Grupo Moura, que consolidou sua Cultura Empresarial Moura (CEM) com base em crenças, missão e princípios inegociáveis.
Essa base foi o ponto de partida para a criação de práticas sólidas de gestão e inovação, como o Sistema Moura de Gestão (SMG) e o Instituto de Tecnologia Edson Mororó Moura (ITEMM), que impulsionam o desenvolvimento tecnológico e social da marca.
Esse alinhamento entre propósito empresarial e governança cria coesão e senso de pertencimento. E, em tempos de transformações aceleradas, essa clareza é o que impede que a estratégia se torne refém de interesses isolados ou disputas familiares.
Em síntese: o propósito é o elo invisível que une a história da família à visão de futuro da empresa.
Governança: o alicerce que dá forma ao legado
Nas últimas décadas, o conceito de governança corporativa em empresas familiares deixou de estar associado apenas a grandes grupos e passou a ser reconhecido como instrumento de continuidade e profissionalização.
De acordo com o IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), empresas que adotam práticas formais de governança têm 35% mais chances de sobreviver após a terceira geração.
Essa governança não se resume a organogramas ou protocolos: ela representa a criação de mecanismos estruturados de decisão, sucessão e transparência, aspectos que equilibram os laços afetivos com a racionalidade empresarial.
Segundo pesquisa da EY em parceria com a Universidade de St. Gallen, realizada com 500 grandes empresas em diferentes países, a falta de governança, ou modelos ainda incipientes que dificultam o alinhamento entre sócios, foi identificada como um dos principais desafios comuns entre negócios familiares.
Esse apontamento evidencia que a maturidade da governança é determinante não apenas para a longevidade das empresas, mas também para a harmonia entre os membros da família empresária.
O caso da Oilema, também citado pela Morcone, reforça esse ponto. A empresa, atenta ao futuro, estruturou um processo sucessório planejado e ampliou sua estratégia com parcerias e inovação em biocombustíveis, sem perder a coesão interna.
O resultado é uma gestão moderna que valoriza a herança familiar enquanto se prepara para novas demandas de mercado.
O conselho consultivo como mediador entre tradição e modernidade
Se o propósito é o direcionamento seguro, a governança é o alicerce. Sendo assim, o conselho consultivo é o espaço de diálogo onde ambos se encontram.
Ele funciona como um mediador entre o emocional e o racional, ajudando famílias empresárias a equilibrar suas raízes com a necessidade constante de inovação.
Empresas familiares que instituem conselhos consultivos atuantes contam com um olhar externo, experiente e estratégico, que desafia as percepções internas e propõe caminhos sustentáveis.
O conselho não apenas acompanha resultados: ele interpreta o contexto e orienta a tomada de decisão com base em dados, riscos e oportunidades.
Costumo frisar que famílias empresárias que unem valores, visão e governança constroem marcas que transcendem gerações e se tornam referência para a sociedade.
A experiência mostra que o conselho consultivo:
- Amplia a transparência nas relações familiares e societárias;
- Introduz boas práticas de governança desde cedo;
- Prepara a sucessão de forma estruturada;
- E fortalece o propósito empresarial como um ativo vivo — e não apenas simbólico.
A sucessão como prova de maturidade da governança
A sucessão é o ponto de virada de qualquer empresa familiar.
Um levantamento do Family Business Institute aponta que apenas 30% das empresas familiares chegam à segunda geração, enquanto apenas 12% alcançam a terceira.
A principal causa das rupturas está na ausência de um processo sucessório estruturado, aliado a conflitos de interesse e falta de profissionalização.
Quando o processo é bem planejado, o resultado é um ciclo virtuoso: o legado se renova, o propósito se fortalece e a empresa se torna mais competitiva.
Foi assim com o Grupo Moura, que, além de investir na formação de executivos externos, também prepara membros familiares para atuarem como acionistas conscientes e estratégicos, uma combinação que garante equilíbrio entre identidade e desempenho.
Empresas familiares que inspiram o futuro
A longevidade de empresas como Jacto, Moura e Oilema mostra que não há antagonismo entre tradição e inovação. Pelo contrário: a inovação floresce quando existe uma base sólida de valores e governança.
Esses grupos souberam transformar o conselho consultivo em um fórum de aprendizado contínuo, incorporando práticas de ESG, tecnologia e visão de longo prazo, sem se afastar da essência que os fundou.
Contudo, o segredo está em compreender que a empresa familiar não é apenas um ativo econômico, mas um projeto de continuidade e impacto social.
E, para isso, o tripé família–propósito–governança precisa ser revisitado e fortalecido constantemente.
Reinventar-se sem perder as raízes: o verdadeiro legado
O verdadeiro legado de uma empresa familiar não está apenas em seus produtos, prédios ou balanços. Ele se manifesta na capacidade de reinventar-se mantendo coerência com seus princípios.
Famílias empresárias que constroem essa coerência transformam seus negócios em organizações que inspiram confiança, tanto dentro quanto fora do mercado.
E é nesse ponto que o conselho consultivo se consolida como o espaço mais estratégico para mediar o diálogo entre gerações, alinhar o propósito à governança e garantir que as decisões de hoje sustentem o futuro.
Porque, no fim das contas, perpetuar um legado não é manter tudo igual: é preservar o que importa, enquanto se tem coragem para evoluir.
E em conclusão, gosto de pensar que o verdadeiro legado não é o que se deixa para os herdeiros, mas o que se constrói com eles.
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Como o conselho consultivo fortalece a governança financeira nas empresas?